sábado, outubro 14, 2006

265.ª etapa


OPERAÇÃO PUERTO VAI DAR EM... NADA


Tal como eu havia escrito, logo quando a “bomba” rebentou, o caso da Operação Puerto vai dar em… nada. Ou melhor, poderá (e espera-se que sim) dar nas penalizações legais de Eufemiano Fuentes e de José Luís Merino por acto que se pode enquadrar na Lei geral, como delito contra a saúde pública. E não será por terem “pilhas” de saquetas com sangue ou “paletes” de produtos ilícitos, mas por os terem armazenado de forma não condizentes com o que legalmente está descrito como “próprias e obrigatórias”.

De resto, a repercursão que a acção policial denominada Operação Puerto poderia vir a ter no campo desportivo é nula. Isso mesmo foi confirmado a semana passada pelo juíz substituto que, com o colega titular em férias, ao mesmo tempo que conduzia o processo para o arquivamento – com a excepção dos dois casos citados – tirava de vez a esperança das autoridades desportivas em poderem socorrer-se das provas recolhidas.
A notícia enche a primeira página do semanário Meta2Mil que lhe dedica ainda duas páginas no interior.

Não sou, já o referi várias vezes, especialista em assuntos de Direito, mas o pouco que sei permitiu-me, na altura, afiançar que, por parte das autoridades policiais e mesmo judiciais espanholas nada poderia ser imputado aos corredores (e outros desportistas de muitas outras modalidades – o que a CS portuguesa quase sempre ignorou, pese embora a se lhe tenha feito várias referências, por exemplo, na CS espanhola) porque no quadro legal, geral, não há artigo que sancione nem o uso de produtos médicos (que são legais, circulam em todas as farmácias) ou outros métodos que não compete à Lei Geral prever ou penalizar.

Apenas as autoridades desportivas – porque são estas, ao nível, por exemplo, dos comités olímpicos ou de algumas federações, com a aceitação das sugestões da AMA (sugestões que, no campo desportivo, tem valor de lei, por isso são transcritas nos seus regulamentos particulares – que estão muito longe de ser Lei de Estado) encontram nesses mesmos regulamentos um enquadramento penal –, dizia, apenas as autoridades desportivas poderiam tomar medidas disciplinares em relação aos atletas presumivelmente implicados.

A Real Federação Espanhola de Ciclismo bem tentou que as autoridades policiais lhes cedessem as provas conseguidas, mas o juíz limitou-se a comunicar-lhe o óbvio: provas obtidas com escutas telefónicas ou vigilância especial a pessoas e/ou residências não podem ser cedidas a particulares para que estes delas possam vir a tirar dividendos.
Por isso mesmo foi negado às autoridades desportivas alemãs, pelo mesmo juíz, a cedência da amostra de ADN, presumivelmente pertencente a Jan Ullrich exactamente pelo mesmo motivo que não cederá às espanholas nada do que apurou no decurso da Operação Puerto.

Ora, a justiça espanhola apanhou, de facto, aquilo que tem toda a aparência de ser (é-o, sem eufemismos) uma rede organizada de tráfico de “substâncias interditas pelas autoridades desportivas” e sobre isso nada pode fazer porque não há Lei onde enquadrá-lo. E as autoridades desportivas, que não podem fazer escutas nem vigilâncias, não podem pretender “conhecer” aquilo que se passou.
Está tudo na mesma.
A justiça desportiva só pode actuar se apanhar alguém a transgredir os seus regulamentos, e a verdade é que poucos, ou mesmo nenhuns dos presumivelmente implicados foi apanhado. Logo, desportivamente não são, em termos legais – dentro das leis desportivas –, passíveis de serem punidos.

Funcionou a única “saída” que havia. O Códígo de Ética assinado pelas equipas do ProTour. Foi isso que levou a que Basso, Mancebo ou Ullrich não tivessem podido correr o Tour nem a Vuelta (ou outras provas do ProTour). Falhou redundamente a Liberty (quando já era Astana) ao inscrever para o Tour uma equipa na qual a maioria dos nomes estava ligada aos presumíveis actos ilícitos. Tivesse feito o que fez na Vuelta e poderia ter corrido.

Por isso mesmo, têm forte hipóteses os nove corredores da Astana que se viram envolvidos, sem razão para tal, no caso, em ganharem a causa pela denúncia que levaram a tribunal contra a RFEC.


(Foto distribuída pela Guardia Cívil espanhola)

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