terça-feira, agosto 14, 2007

788.ª etapa


GRANDE ETAPA DA MAIA
E... DE HECTOR GUERRA

Pesemos, então, o que cada uma das equipas com candidatos à vitória nesta Volta mostrou hoje. E há, de facto, algumas decepções. Anunciadas, mesmo que delas pouco se tenha falado.

Mas antes disso… uma palavra para os que, não tendo equipa, ainda assim fizeram pela vida. Eládio Jimenez (Karpin-Galicia), David Bernabéu (Fuerteventura-Canárias), Oscar Sevilla (Relax-GAM), Domenico Pozzovivo (Lampre), e ia quase a escrever… José Azevedo!

Mas, armado em Rui Costa, e estando no centro do terreno vou ensaiar um daqueles passes de maestrorasgando o jogo e colocando a bola onde menos se esperava…

É que o primeiro VIVAAA!!!!, porque o merece, porque lutou e, sobretudo, sofreu por isso, vai para o jovem André Cardoso (Fercase-Rota dos Móveis) que, aos 22 anos e contra todas as expectativas se sagrou Rei dos Trepadores. Aplausos. Também ele, quase sempre por conta própria, porque – acho eu, agora, assim e de momento – a única vez que teve um companheiro com ele, na frente da corrida, aquele lhe roubou pontos numa contagem!!!

Vamos então ao que se viu hoje, em termos de TRABALHO FEITO… que isso de boas intenções…

Que eu saiba, não existem livros escritos sobre tácticas, no que respeita ao Ciclismo. Será tudo empírico, mas muita coisa já foi provada na estrada.
E foi hoje posta em prática.

No Ciclismo ninguém dá às pernas por ninguém. Ou elas correspondem ao que a cabeça pede… ou não. Mas há formas de ajudar. A mais usual é rodear o homem para a vitória do maior número possível de companheiros que façam as chamadas despesas da corrida. Que imprimem ritmos, que desgastem adversários, que respondam a ataques. Sendo previsível que outros tomem a iniciativa e endureçam a corrida, prevenindo uma eventual falha na resposta imediata, por parte dos ajudantes de campo, costuma-se fazer outra coisa que é o de enviar, cedo, na etapa, quando ainda se pode por pé em ramo verde, um ou dois corredores para a frente. Não porque tenham grande interesse na fuga, mas para já lá estarem, quando o chefe chegar.

Todos, Benfica, LA-MSS-Maia, Liberty Seguros e até a DUJA-Tavira o fizeram hoje. O pior é que, chegada a hora da verdade, não basta lá estar, é preciso lá ficar. E isso não funcionou em relação a nenhum dos candidatos.

A segunda hipótese, que até pode ser a primeira, depende das circunstâncias, é não ter medo e, usando outra vez o jargão do Ciclismo, pôr toda a carne no assador. Expressão tão querida do Manel Zeferino. Foi o que ele fez.

Isto tem sempre duas consequências e é preciso que ambas se conjuguem para dar certo. A primeira é rebentar com a concorrência antes que rebente a própria equipa. E exige um lote de corredores com características muito especiais. E se falei do Manel Zeferino foi porque, uma vez mais, foi a LA-MSS-Maia quem pôs em pratica o exercício.

Minutos, muito poucos, antes de se iniciar a subida para o alto de Carrazedo o esquadrão maiato, camisas abertas, peito ao vento, encarregaram-se de eliminar, logo ali, três quartos do pelotão.
É verdade que, depois, na descida para Seia, ainda houve quem recolasse mas, mal se iniciou a subida do flanco sudoeste da Estrela, e com os mesmos protagonistas, foi dada a machadada final às aspirações de muito boa gente.

Aqui há que parar um pouco para destacar o trabalho de um homem, um só: João Cabreira.
Esteve enorme o jovem da Aguçadoura. Um monumento vivo ao bom e sempre desejado ciclismo de ataque. E a história final da etapa começou a desenhar-se quando na frente ficaram apenas nove homens. E a história final da Volta, se tivermos em conta que três deles eram da Liberty Seguros.

Nas primeiras rampas da Estrela, a partir de Seia, Cândido Barbosa levava Nuno Ribeiro e Hector Guerra, Xavi Tondo tinha o foguetão Cabreira e depois resistiam, a solo, o Zé Azevedo (Benfica), o David Bernabéu (Fuerteventura-Canárias), Eládio Jimenez (Karpin-Galícia) e Domenico Pozzovivo (Cerâmica Panaria). Pois é… o Zé Azevedo esteve sozinho logo desde o início.

Façamos um parêntesis.
No escalonamento do Benfica para esta Volta, para além do Zé, Orlando Rodrigues só tinha um outro trepador puro, o Rui Lavarinhas que – e ele, de quem até sou amigo, perdoará a crueza da realidade – está acabado. José António Pecharroman ainda foi o que tentou ajudar. Bruno Castanheira tinha sido o homem lançado para a frente para a hipóteses de, mais tarde, poder ajudar o seu chefe-de-fila mas… ficou mos primeiros esticões da LA-MSS-Maia.

Se os encarnados – e desde há muito se sabia que haveria uma chegada à Torre – iam esperar por esta etapa para tentar ganhar a Volta… então faltava alguém na equipa. Falta. E será, com certeza, a primeira e mais urgente tarefa dos seus responsáveis em relação à próxima temporada. O Zé terá um ano mais e vai precisar ainda mais de ajuda.

Orlando Rodrigues preencheu os lugares – Zé Azevedo e Javier Benitez à parte (já agora… Rui Lavarinhas também!) – com roladores e, com a excepção da etapa para Beja, raramente se viu o Benfica na frente a rolar. Aquele episódio na subida para as Penhas Douradas não faz parte desta história. Claro que não se podem fazer substituições a meio da prova, como no futebol, mas logo que se percebeu que Benitez já tinha sido espremido de tudo o que tinha para dar, ao Benfica competia, pelo menos uma coisa: ter tentado impedir o Cândido de bonificar, muito mais de ganhar etapas.

Mas isto ficou tão evidente, e porque eu até deixei de falar do Benfica, fui aqui mesmo, em alguns comentários, acusado de anti-benfiquista. Claro que não o sou. No Ciclismo não sou anti NINGUÉM. Genericamente… toda a gente sabe qual é o meu clube, eleito desde o tempo em que ainda usava bibe. E, usando uma expressão há muito consolidada, nós podemos mudar de tudo, menos de clube.

Voltemos então à corrida de hoje porque ainda há motivos para mais destaques.

Com João Cabreira a assumir, sozinho, a carga de, não só preparar o caminho para Tondo, mas também para dinamitar tudo o que fosse adversário – é assim que se faz ciclismo, é assim… – o que aconteceu foi que o Grupo dos 9 a dada altura (quando o João, também ele, acabou) ficou reduzido a seis, a cinco… a quatro elementos.

O Zé não conseguia acompanhar os andamentos, entretanto imprimidos pelo melhor trepador deste pelotão – o Eládio Jimenez (que chegou a ser alvo do próprio Benfica, como contratação) – mas este também só se assumiu depois de o Xavi Tondo ter lançado o derradeiro e último ataque, no primeiro significado da palavra. E isolaram-se os dois.

E aqui aconteceu uma coisa que tem de ser lida, compreendida e aceite por quem percebe alguma coisa de Ciclismo… Naquele mesmo ataque o Cândido ficou sem o último companheiro, o Hector Guerra.
Nesta altura a corrida ia com o Tondo e o Jimenez na frente, o Cândido e o Bernabéu – atenção à responsabilidade do vencedor da Volta de há três anos na história dos últimos 20 quilómetros da etapa, quando lançou três ataques sucessivos que acabaram com o resto da resistência que escapava àquele próprio grupo (Sevilla, por exemplo) –, depois o Guerra e mais atrás ainda o Zé Azevedo.

Que, depois de ter reencontrado o seu andamento, reagiu, apanhou e passou sem grandes dificuldades o manchego mas que… acabou por recolocar o Guerra junto ao Cândido.

O Zé não podia fazer contas naquele momento, se as contas não… contavam com o seu nome. O Guerra esteve esplêndido. Aliás, depois do João Cabreira, o Hector Guerra foi a segunda grande figura desta etapa.
Ele não podia adivinhar que ainda iria apanhar uma boleia, ainda por cima patrocinada pelo Zé, e a sua corrida também parecia já concluída, mas depois teve a lucidez de perceber que era aquela a oportunidade. Aquela… ou nenhuma.

E foi. E foi muito bem. Sem ajudar, claro. Mas a verdade é que o Zé voltaria a ficar para trás e ele ficaria para levar o Cândido até ao terceiro lugar na etapa reduzindo quase ao mínimo os prejuízos da etapa.

Acabei de ver o Diário da Volta e, para os não iniciados nisto do ciclismo – porque falar, ou escrever, toda a gente fala e escreve, mas perceber disso já tenho dúvidas – deixo aqui a leitura dos fenomenais últimos dois quilómetros de Guerra.

Ele estava ali para ajudar o Cândido a chegar à meta com o menor atraso possível e até estranhei ouvir, a dada altura, que ele aparentemente estava a deixar para trás o seu chefe-de-fila. Claro que não.

Os corredores não se podem amparar, não se podem empurrar… e ajudar, naquele momento foi exactamente o que ele fez. O Cândido perdia terreno, que faria ele na sua roda? A seu lado? Não, o Guerra – o segundo grande destaque do dia – fez o que se deve fazer… obrigou o Cândido a inventar forças para o seguir. É assim que se puxa.

Se tivesse ficado sozinho, naqueles momentos em que o Guerra se adiantou cinco, dez metros, o Cândido tinha ficado. E dali para a frente iria escorregar serra abaixo a cada pedalada porque ele atingiu o limite. Foi visível.

A referência do seu companheiro, ali, dez metros à sua frente, a olhar para trás, a puxá-lo… valeu-lhe não ter perdido a esperança. Não ter perdido a Volta.

Por isso, e se houvesse na Volta um prémio para o melhor équipier ele teria de ser entregue, por ser de toda a justiça, a Hector Guerra. Lançou o Cândido nos sprints, levou-o ao colo na montanha. É um grande corredor.

Sinceramente, fiquei arrepiado ao ver o trabalho do João Cabreira e não me canso de o repetir, foi MONUMENTAL! Mas o que o Hector Guerra fez não tem paralelo. Ainda por cima, quando seria sempre ele a primeira grande opção num eventual afundanço do Cândido.
Sacrificou, em nome dos interesses da equipa e do seu chefe-de-fila aquilo que, provavelmente poderia vir a colher em termos pessoais. E é aqui que se destaca do João Cabreira.

E falta a DUJA-Tavira.
Se o futuro se lesse num livro, se esse livro tivesse passado pelas mãos do Vidal Fitas, a esta hora estaria a maldizer o não ter feito um pouco mais de esforço naquela primeira etapa, a que chegou a Beja.
Lembram-se?

Quando o Benfica fez explodir o grande pelotão, quem é que, de entre os grandes candidatos, estava na frente? Pois é. O Zé Azevedo e o David Blanco.
Nem Cândido e muito menos o Tondo, que foram surpreendidos.
Por isso eu já ontem escrevi que a Volta é uma corrida única. Tem mais uma semana que a esmagadora maioria das corridas, mas menos uma que as Grandes Voltas. Não se pode encará-la, nem sob a perspectiva de uma, nem sob a das outras. Não se resolve tudo numa só etapa, nem se pode esperar muito para rectificar eventuais erros porque... não há dias que cheguem para isso.

Se fosse possível voltar atrás, tenho a certeza de que Vidal Fitas não hesitaria em juntar o seu ao esforço do Benfica. Descartar, logo na primeira etapa, candidatos como Xavi Tondo e Cândido Barbosa é uma coisa em que não se pensa duas vezes. Mas isto não é ficção e a História só se sabe depois de escrita. Nem quando se está a vivê-la se tem a percepção disso.
Isto tudo para dizer que a DUJA-Tavira se afundou com o seu chefe-de-fila. O Ricardo Mestre ainda tentou levá-lo, mas ninguém dá às pernas por ninguém.

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