quarta-feira, agosto 15, 2007

791.ª etapa


CÂNDIDO BARBOSA: O HERÓI DO POVO

Tudo começou há dois anos quando, pela primeira vez e a sério, o Cândido Barbosa se assumiu publicamente – logo na apresentação da equipa, no Centro Cultural de Belém (eu estava lá), até contrariando o discurso bem mais… politicamente correcto, do seu director-desportivo que evitou fixar fasquias – como candidato a vencer a Volta.

O povo gosta de quem afronta os chefes. Na generalizada falta de coragem para o fazer… adopta quem o faz e, a partir daí, assume como suas as vitórias que o seu ídolo conseguir.
Mas não foi só por isso.
O Cândido é um genuíno filho do povo. Homem do Norte, que pensa com o coração e que não engole o orgulho. Pelo contrário, faz disso como que uma espécie de emblema.
E o povo gosta. Sempre pelo mesmo motivo.

Mais… o Cândido volta a ser um exemplo para muita gente quando se entrega, se dá todo, vai até ao limite. E como a grande vitória lhe escapa, ei-lo outra vez como espelho do próprio povo. Dos que trabalham todos os dias cumprindo o que lhes é pedido e indo até um pouco mais além. Sem resultados práticos.
Há-de aparecer sempre um mais expedito que fica com a melhor parte do bolo.
E o povo revê-se nisso.

Depois, claro, o Cândido é um atleta de excepção. Um homem de um carácter acima da média. Um lutador. E quando fala põe os nomes aos bois.
Tudo, mas tudo o que o mais simples dos cidadãos gostava de ser capaz de imitar.
Num estalar de dedos, o Cândido Barbosa tornou-se um símbolo.

O José Azevedo – a única figura, no actual panorama do ciclismo português que podia aspirar a fazer-lhe frente enquanto símbolo nacional – já foge um pouquinho à regra.
Ele é mais a imagem do emigrante de sucesso.

Mantidas as devidas distâncias, o Zé é olhado com um misto de respeito e muita inveja.
O que subiu na vida porque arriscou um passo difícil, que a esmagadora maioria não arriscou. Depois, e bem à portuguesa, sobra a inveja.

Toda a gente sabe dos resultados extraordinários que o Zé Azevedo conseguiu. Para si, mas também para o todo do Ciclismo nacional. Mas ele estava lá fora, sempre em equipas ricas… a ganhar muito dinheiro. Prevaleceu sempre o tal misto de um pouco de reconhecimento e muita inveja.

Ao contrário do Cândido. Que por cá ficou a batalhar, contra tudo e contra todos. O Cândido é o operário português ultrapassado na hierarquia pelos imigrantes. Leia-se, estrangeiros que, no caso do Ciclismo, vêm cá sazonalmente. E nos “roubam”.
Sentimento mesquinho, que devemos renegar mas que… existe.
Aliás, já hoje li num sítio que é dedicado ao Ciclismo comentários de todo xenófobos – não foi teu Rui… não foi o teu!

Aliás, acho que há gente que se esquece – ou nunca o soube? – que o Cândido teve a sua oportunidade, lá fora. Que não lhe correu bem.
Outra vez à imagem de largas franjas da nossa sociedade.

Resumindo… O Cândido é aquilo que muitos, muitos mesmo, portugueses queriam ser. E calçam-lhe as botas. Vivem as suas vitórias, choram, ainda mais do que ele – que é um desportista – as derrotas.

Ainda por cima, o Zé voltou para correr no Benfica. Não foram poucos os comentários que fui ouvindo e lendo que podem ser resumidos assim: “O Benfica nunca!... Antes o Cândido.”
Não será nada contra o Zé, em termos pessoais, mas que esta divisão emocional existiu, existiu.

Depois, e concretamente nesta edição da Volta, o Cândido ganhou quatro etapas. Foi três vezes terceiro… Tudo isto acalentou as esperanças dos seus seguidores incondicionais.

O que não houve foi tempo para escrever que ontem o Cândido ultrapassou largamente os seus limites. Aliás, mas isso foi escrito, não fora a ajuda providencial do Hector Guerra e o Foguete da Rebordosa, o Jalabert português teria logo ficado de fora da luta pelo primeiro lugar. Isso foi evitado, mas não se podem ir buscar forças onde elas não existem.

Apesar do espectacular terceiro lugar na Torre – depois de um terceiro lugar na Senhora da Graça – o Cândido não perdeu a Volta hoje, no contra-relógio. Perdeu-a ontem, quando, afinal, apenas tentava manter-se na luta pelo primeiro lugar.

Tivesse ele tido mais 24 horas para recuperar, mesmo que correndo outra etapa, e provavelmente hoje teria sido bem mais visível a sua oposição.
Mas não teve.

E, se enquanto trepador o Xavier Tondo fez uma etapa… normal, ontem, e malgrado o nervosismo que não escondia, hoje saiu para a estrada para ganhar.
O Cândido não teve oportunidade para recuperar e hoje saiu já derrotado.
Porque não há homens de ferro.
Por mais que o povo tivesse puxado por ele.

Segundo segundo lugar na Volta – o ano passado foi terceiro, ao contrário do que hoje ouvi – decepção mal escondida mas o recado ficou. Ele vai voltar.
E vai voltar a contar com o apaixonado apoio de uma grande maioria do povo.
Apoio onde costuma abastecer-se de força e de vontade.

Por isso, para o ano voltará a ser candidato.

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