quarta-feira, agosto 15, 2007

792.ª etapa


ANTES DE TUDO O MAIS…
UM ACTO DE GRATIDÃO

Entre o primeiro e o segundo destes artigos que escrevo nesta noite de rescaldo à Volta já recebi uma mensagem contestando uma observação minha. Veio um tudo-nada antes da hora…

E chamo em minha defesa declarações proferidas esta tarde pelo próprio Xavier Tondo que fez questão de vincar que a vitória era de toda a equipa, rectificando quase de seguida para… “a família, que todos somos na LA-MSS-Maia.”

Muda a designação da formação mas o espírito é – há-de ser – o mesmo que tive o privilégio de conhecer bem a fundo durante três ou quatro anos. E é esse o grande segredo de Manuel Zeferino. Por isso eu escrevi que tem um dom especial para recuperar Corredores nos quais poucos apostariam.

Primeiro, só o facto de os contratar funciona como potenciador de uma gratidão que, tratando-se de homens bem formados, e não há registo do contrário, desde logo exige uma retribuição.

E… e aqui hesitei mas exponho a todos a minha hesitação: com a excepção do Claus Möller, um autêntico senhor – sem desprimor para com os restantes – jamais o Fabian Jeker ou o David Bernabéu e mesmo o Xavi Tondo ganhariam uma Volta a Portugal sem ser sob o comando do Manel Zeferino.
E o Jeker ganhou ainda uma Volta às Astúrias, que não se esqueça.

É evidente que levo vantagem em relação à esmagadora maioria dos opinadores.
Eu conheço o Manel, tivemos – até ao meu afastamento das estradas – um relacionamento muito próximo, sei dos seus métodos. Ele hoje disse uma coisa que, quando muito, servirá aos jornais para destacarem a frase, fora do seu contexto. Disse o Manel: “Eu sou só mais um Corredor na equipa.”
É uma imagem com o seu quê de exagero, mas não anda muito longe da verdade.

Não cometo nenhuma inconfidência porque o próprio Manel já o disse. Todos os dias, a partir do meio da tarde até à hora de jantar ele fala com todos os seus corredores. Onde quer que estejam.
Controlo apertado?
Nada disso… a saudável sensação de que se não está sozinho.
E agora sim, uma inconfidência… o Manel não liga para os seus homens apenas para os controlar. Liga para saber como estão, alargando o leque muito para além da actividade desportiva. A pouco e pouco, dilui-se a imagem do técnico e começa-se a contar com o telefonema do amigo.
Até para ajudar em casos particulares, que nada têm a ver com o Ciclismo.
É assim o Manel.

Mas reparem… concentrem-se e revejam, mesmo que só de memória, os discursos do Mestre Emídio Pinto, que foi seu técnico.
Claro que o Manel não tem idade para ser pai de todos os seus corredores… mas, pouco a pouco, para os mais novos na equipa, ele passa a ser o irmão mais velho. E na hora das decisões, quando lhes pede – aos Corredores – que vão à morte (é uma expressão do jargão ciclista) eles fazem-no sem hesitarem.
E não é só com corredores estrangeiros.

Vejam a diferença deste João Cabreira em relação ao mesmo Corredor quando na equipa do Boavista. Era mais novo, é verdade… Mas mesmo assim, vejam.
E o próximo poderá ser o Tiago Machado.

A verdade é que o Manel tem o dom de estreitar os laços entre todos os seus corredores. E estes – na maioria dos casos, porque já houve falhanços – acabam por entregar-se. Quando do carro vem uma ordem nem sequer lhes passa pela ideia contestá-la. É para atacar… ataca-se. É para ir à morte… vai-se até perto do desfalecimento.
Sem hesitações.

Existe uma simbiose tal, entre DD e Corredores que aquilo nem parece uma família… parece um único corpo. Com várias pernas… todas dispostas a ultrapassar os limites.

Isto vem a suceder desde 2001. Não pode ser encarado como caso isolado.
Desde então, a equipa mudou muito, mas os resultados continuam a surgir.
Alguém há-de ser o responsável. E esse alguém tem um nome: Manel Zeferino.
Eu acho que nos últimos 20 anos não encontraremos paralelo.

Mas voltemos atrás que me dispersei por aqui.

O título desta crónica é “Um acto de gratidão”.
Nem mais!

Mas é uma gratidão abrangente, que se estende por todos os Corredores.
E isso só acontece quando há uma ligação muito forte entre o director-desportivo e os seus homens.
Não quero dizer que o mesmo não aconteça noutras equipas, mas não é tão evidente.

O João Cabreira, o Bruno Pires, mesmo o Pedro Cardoso, poderiam almejar a ser chefes-de-fila da Maia. Principalmente este último que esteve em todas as vitórias da equipa na Volta. Mas nem pestanejam quando a ordem é ir para a frente, esfarrapar todo o pelotão para o Tondo, neste caso.
Mas já aconteceu com outros, quando das vitórias do Jeker, do Claus ou do Bernabéu.
Dou um exemplo, e espero não ser mal interpretado.
Ainda hoje o Hector Guerra – e eu já o escrevi, foi, para mim, uma das cinco grandes figuras desta Volta – reconheceu que, se não fora a queda na chegada ao Monte Córdova…

Nunca ouvimos isto dito por um corredor da Maia e tenho praticamente a certeza de que, enquanto o Zeferino for o seu técnico, jamais o ouviremos.

Nada contra a natural dúvida do corredor madrileno da Liberty Seguros...
Mas vêem, conseguem ver a diferença?

Ao Zeferino já aconteceu sair para a Volta com dois, três… quatro homens para ganhar a Volta. E eu não me esqueço das lágrimas que lhe vi nos olhos quando, em 2002, no final da prova, o Claus roubou a vitória (por cinco segundos) ao Joan Horrach.
E eu sei porque foram essas lágrimas.

Porque com três homens nas três primeiras posições e com a corrida a terminar com um crono… fez aquilo que é lógico fazer: “Que cada um ande por si!”
Mas o Horrach trazia a Camisola Amarela desde o meio da prova, desde a tal etapa épica da Senhora da Graça. Só que o Claus fez o que – naquela altura ainda era capaz – melhor sabia… andar sozinho contra o cronómetro.
Foi a dor de um pai… vá lá, de um irmão mais velho, ver um dos seus a tirar o pão da boca a outro irmão. Por isso chorou.

E, neste ambiente que é, podem acreditar, verdadeiramente familiar, os corredores que o chefe designa como ponta-de-lança acabam por se ver obrigados a ganhar.

Por pura gratidão em relação à confiança neles depositada.
Foi o que aconteceu com o Xavi Tondo.

1 comentário:

Carl Floyd disse...

Completamente de acordo com as três últimas etapas.
Parabéns.
Eu não escreveria melhor.

Carlos Flórido

(embora esteja tentado a perdoar o Guerra. Afinal era ele, desde início, que a equipa tinha preparado para suceder ao Cândido, atacando na Graça e na Torre para ganhar a Volta, isto se a Liberty conseguisse uma corrida perfeita. Mas como não as há perfeitas e aquela queda comprometeu a estratégia, a amargura do rapaz compreende-se. Um pouco como aconteceu no Maia quando o Moller destronou no Horrach...)

(Já agora - quando começo nunca mais paro... - ainda faltam umas palavras para outro técnico tantas vezes criticado e que desta vez, mesmo perdendo a amarela, foi exemplar na condução da corrida: Américo Silva)