quinta-feira, agosto 02, 2007

737.ª etapa


É UM SENHOR!...

Mesmo que eu próprio, no estilo de escrita que abracei, muitas vezes opte por uma entrada lateral, tentando, primeiro, criar o ambiente e descrever os cenários antes de chegar às personagens centrais (que foi, exactamente, o que acabei de fazer) há excepções que, como sempre, confirmam a regra.

Por isso, recomeço.
Parabéns Pedro Figueiredo, parabéns Rui Amorim.
Há sentimento – que chega a ser palpável (passe a figura) – no excelente trabalho que fizeram com o Claus Möller.

Sempre abominei as entrevistas pergunta e resposta.
Quando falamos com alguém – e, enquanto leitor, é sempre isso que espero – não podemos escamotear nenhum pormenor, daqueles que nos tocaram. E temos a obrigação de passar isso ao leitor.
Claro que quando a entrevista é feita por telefone… lá se vai toda a envolvência.

Para quem, como eu, conhece o Claus Möller há sete anos, toda a diferença está aí. Até pode haver – há-os, com certeza – entrevistados dos quais não se tiram mais do que as palavras. Não é o caso do Claus.

Ao ler o vosso trabalho e “ouvi” as palavras simples e humildes do Claus; “vi” os seus olhos desviarem-se, não de envergonhado, mas naquela atitude, quase diria púdica, de se ver como centro da conversa.
É assim o Claus, que já entrevistei inúmeras vezes.

Ponderei algumas horas – desde que, logo pela manhã li a entrevista, até agora, que são 11 da noite – até me decidir escrever este artigo. Sem amarras.

Não sou amigo íntimo do Claus. Tenho o seu número de telefone mas ter-lhe-ei ligado, nestes sete anos… uma… duas vezes.

E porque é que ponderei acerca do escrito que se segue? Porque tenho dele uma ideia muito fixa. É um Homem, com H grande. E ainda por cima, simples, que não se encaixa na figura de quem busca ou quer qualquer espécie de protagonismo.


No entanto, merece-o.

Não sei, não posso saber, qual o critério seguido para abrirem o trabalho sobre a Volta com ele. Aliás, ficou omisso no trabalho que ele já ganhou uma Volta a Portugal ou que, em 2001, protagonizou um dos maiores feitos do Ciclismo… português.

Não estou a criticar o vosso trabalho. Antes pelo contrário.

Mas, e voltando atrás, que razão me terá levado a esperar 12 horas para escrever o que vou escrever?

Em 1999, então ao serviço da holandesa TVM, o Claus foi apanhado nas malhas do doping. Aconteceu a tantos… Não serei eu a atirar-lhe a primeira pedra.
Aliás, olhe-se para o currículo que vocês fizeram publicar e o que diríamos?
Era um corredor de segundo plano. Daí para trás.

Depois, e já terão percebido que vou andar no fio cortante da navalha daqui para a frente, vem-me à memória outro nome. Outro homem que foge dos protagonismos, que exagera até, muitas das vezes, na humildade que demonstra. Manuel Zeferino.

O Claus cometera um erro. Quem é que nunca o fez?
O Claus é um homem simples, dedicado à profissão que escolheu… e à qual ainda tinha muito a dar. Honra seja feita ao Manel que o descobriu, não sei como – estou com saudades de voltar a falar com os velhos amigos – e fez aquilo que qualquer pessoa de boa vontade faria: deu-lhe uma segunda oportunidade.

Claro que vir para Portugal significava, para o Claus, escapar ao dedo acusador – que, ainda assim, na altura, não era tão acusador como hoje (quando meras suspeitas servem para atirar nomes para a fogueira) – e, ao longo dos anos que passou entre nós – houve um interregno de um ano que por acaso não está no vosso palmarés, quando ele deixou a Maia e, antes de voltar para representar a Barbot, correu com as cores da italiana Alessio –, dizia… que quando veio para Portugal escapava, de algum modo, ao ferrete com que o tinham marcado.

A UCI penalizou-o com seis meses de castigo enquanto a federação dinamarquesa fincou pé nos dois anos e daí não arredou, fazendo com que ele nunca mais voltasse a representar o seu país. Leio, nas entrelinhas – não sei se vocês o perceberam – velhas mágoas pessoais quando fala do seu compatriota e amigo Michael Rasmussen.

O Claus foi – e ainda mantém acesas algumas das suas capacidades – um extraordinário corredor, para todo o terreno. Sem nunca perder aquela sua humildade que às vezes se confunde com alguma timidez. Saber estar calado não é fácil... e é
isso também que marca os verdadeiros homens.
Os verdadeiros Campeões.

Teve sempre o apoio do Manel Zeferino, que sofreu como poucos imaginam no dia em que ele, em Sintra, e no final do crono que fechava a Volta de 2002, roubou a camisola amarela ao Joan Horrach. Falei muito com o Manel nessa volta. A Maia tinha ganho, em 2001, com o Jeker – bom rapaz, mas com um feitio diametralmente oposto ao do Claus – e em 2002 chegou ao último dia com três homens nos três primeiros lugares.

O Manel tinha, como se diz na gíria, posto toda a carne no assador e aconteceu que na Senhora da Graça foi o Horrach a vestir a camisola amarela.
Como “pai-galinha” (se o termo me é permitido), o Manel viveu nos últimos dias da corrida um pesadelo que não terá (não foi) sido fácil.

Como dizer a um “filho” que desistisse dos seus objectivos em favor de outro?
Fez o que o bom “pai” faria… é cada um por si.

Parece que voltei a Sintra, junto ao Palácio da Vila. Na luta fratricida, o Claus roubou a vitória ao Horrach por cinco segundo. Momentos depois, eu estava com todos eles na caravana da equipa. O Horrach chorava. O Manel chorava. O Claus, tenho a certeza, embora não lhe tivesse visto as lágrimas, também chorava.

Por dentro.

Testemunhei o seu abraço ao Horrach e as palavras que lhe disse. “Eu estou velho… era a minha última oportunidade… Tu ainda tens muitos anos pela frente. Desculpa!...

É preciso ser-se um Homem para assumir isto. O que – e repito, nada tenho contra ele, antes pelo contrário – Jeker seria incapaz de fazer.

Este episódio serve apenas para complementar o quanto de humano tem o Claus Möller. O que, volto a sublinhar, ficou bem vincado no vosso trabalho.

Tenho ainda, naquilo que ninguém, por mais má vontade que tenha contra mim me pode tirar, outra estória com o Claus.

Foi na Vuelta de 2001. Quando venceu a etapa da Vuelta que terminou no alto de Aitana.

Não o vi nesse dia. Compreenderão todos os que experimentaram esta vida (de jornalista) que vinga a camaradagem. A chegada estava restringida, porque aconteceu numa base militar, ainda por cima de alta segurança e, ainda por cima, a pouco mais de oito dias do ataque ao WTC, em Nova Iorque.

Só lá estávamos dois jornalistas portugueses. Eu e o Teixeira Correia, da Rádio Comercial. Eu com duas páginas de jornal para escrever… Mas não estou a revelar nenhum “segredo de estado”. O Teixeira, que tinha mesmo que ouvir o Claus, subiu, a pé e a passo de corrida, os quase três quilómetros que levavam à meta, já dentro da zona restrita. Depois “passou-me” as declarações recolhidas.

Contudo, no outro dia era dia de descanso, em Alicante.
Cedo, pela manhã – ok… 10 horas! – já ambos estávamos no hotel da equipa.
Os corredores tinham ido fazer um pequeno treino de estrada. Esperámos.

Acabámos, a convite dos seus responsáveis, por almoçar com a equipa e, logo a seguir sentei-me no lobby do hotel, bloco em punho, para a conversa com o último herói nacional – deixemo-nos de demagogias, quem ganhou aquela etapa foi a Maia, logo… uma vitória nacional – com quem já tinha combinado a entrevista.

Isto nunca o escrevi em lado nenhum… mas interrompi a minha entrevista para que o Claus falasse a um jornal concorrente. E só o confesso aqui porque, e como o Claus está aí para me desmentir, se fosse o caso disso – porque o Claus, tapando o bocal do telemóvel se virou para mim e disse… é o jornal… tal… e agora?

“Agora – disse eu – fala com eles, que eu tenho o resto da tarde para falar contigo!”

Aliás, essa entrevista, que em termos práticos terá durado trinta minutos, estendeu-se por mais de das horas.

Ora era uma rádio ou televisão dinamarquesa – e eu percebia-o porque… não percebia o que ele estava a dizer – ou o outros jornais portugueses… ou jornais espanhóis.

No fim de tudo, já bem perto das 5 da tarde, quando eu fechei o bloco o Claus olhou para mim e pediu-me desculpa. Porque, estando eu ali, a seu lado, metade do tempo fora gasto com entrevistas até para concorrentes meus.

Só que uma coisa eles não tinham. E estou tão confiante de mim mesmo que desafio todos a irem à procura dessa entrevista.

Não tinham o brilho indisfarçável dos seus olhos azuis. Não tinham as pausas… não tinham tido a possibilidade de, através dessas mesmas pausas, pesarem o peso real das palavras.

Entrevistas fazem-se no campo.
MALDITO TELEFONE.

E vergonha a quem, podendo fazer de outra forma, prefere ficar sentado e telefonar.

E entrevista não é pergunta resposta, qual concurso de televisão.
Tem de haver sentimento, tem de haver… pessoas dentro delas.

Foi isso, Pedro e Rui, que vocês conseguiram.
Por isso não são uns jornalistas quaisquer.
Não importa como vos olham. O que importa é como vos lêem.

Eu sei de quem consegue… não entrevistas, mas apenas declarações (o que não é o mesmo) sem nunca deixar de marcar o “seu” terreno.
“Vá lá… fala… diz qualquer coisa, e quero que o resto se foda porque eu sou o senhor F… ulano de tal e para mim toda a gente fala.”

E se há “pesos” conquistados pelo mérito do trabalho… outros há onde o que “pesa” são as ligações.

Mas isto não acontece em Portugal. Não com as equipas… onde, habituados ao “tu cá tu lá”, às vezes sem se resguardar o mínimo de respeito que um jornalista deve guardar“n” vezes presenciado pelos corredores estes passam a usar o mesmo método para com o “entrevistador” e achincalham-no... e corre-se o risco de que olhem os Jornalistas, todos, sob o mesmo prisma.

Nunca deixem que isso vos aconteça.
Um abraço, e obrigado pelo excelente trabalho que fizeram…

E deixo duas pergunta no ar:
Quem é que tem ALGUMA coisa contra o Claus Möller?
(apesar de ele ter cumprido a pena que a UCI lhe aplicou)
Quem é que, hoje, atiraria a primeira pedra ao Manel Zeferino por ter dado a mão a um homem que um dia cometeu um erro?

A vida não é um exercício académico!

Manuel José Madeira

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